Postado em 6 de outubro de 2025 por sn-admin
O Profeta do Palimpsesto: São Paulo Sob o Olhar de Benedito Lima de Toledo
Em 1975, enquanto a capital paulista se afogava em concreto, o arquiteto Benedito Lima de Toledo (1934-2019) lançava uma ideia que definiria a metrópole: São Paulo não era uma cidade, mas um “palimpsesto” — um pergaminho raspado e reescrito diversas vezes.
Cinquenta anos depois, esse diagnóstico visionário se confirma com uma precisão assustadora. A matéria original do Estadão revisita a tese de Toledo e nos força a encarar o legado de um urbanista que viu, no ciclo implacável de “constrói-destrói”, tanto a essência caótica da cidade quanto a chave para o seu futuro.
O que Toledo PREVIU (E Acertou):
O arquiteto dividiu a história de SP em três fases marcadas pelos materiais de construção (taipa, tijolo e concreto), mostrando como cada era devorava a anterior. No entanto, sua previsão mais otimista se cumpriu em um plano “imaterial”:
A Reconquista do Espaço Urbano: Toledo anteviu que a quarta fase da metrópole seria a “reconquista do espaço urbano pela população”. Esta é a sua grande vitória. Hoje, assistimos a um crescente engajamento cívico, traduzido em:
– Ações pela criação de novos parques.
– Movimentos de valorização de memórias apagadas, como a herança africana no Bixiga e na Liberdade.
– A consagração de leis como a Cidade Limpa, que transformou o visual da metrópole, trocando anúncios por arte.
Em 1981, ao defender um parque linear nas margens do Rio Pinheiros, Toledo já clamava: “Se nós matamos os rios, devemos revivê-los.”
A Crítica à Mobilidade: Ele classificou a priorização do carro como um “conceito subdesenvolvido”, um erro crasso que a cidade demorou a reconhecer, mas que hoje é combatido por ciclovias e a expansão do transporte público.
A Verticalização Acelerada: A tese do palimpsesto nunca esteve tão viva. O que antes era demolição de casarões para dar lugar a prédios, hoje é a “sobreverticalização”: a derrubada de edifícios de 12 andares para a construção de torres de 30. O ciclo destrutivo se acelerou, e o palimpsesto, segundo especialistas, já tem mais de 20 camadas.
O Desafio do Século XXI: O Que a Cidade Ainda Não Resolveu
Se Toledo acertou no diagnóstico, a cidade ainda falha em aplicar a cura. O grande nó de São Paulo está em não romper com o ciclo histórico do “constrói-destrói” e em adiar soluções para questões estruturais:
A Persistência das Crises Sociais: Problemas cruciais como o déficit habitacional e a necessidade de distribuição de empregos pelo território (para reduzir deslocamentos massivos) persistem e, em alguns casos, se agravam. O crescimento não é igualitário.
O Passivo Ambiental e o Clima: A expansão urbana histórica de São Paulo gerou grandes passivos ambientais. Hoje, com as mudanças climáticas, a cidade sofre com chuvas extremas e ondas de calor. O ciclo de demolição e reconstrução impede a expansão de superfícies permeáveis e a preservação de cursos d’água.
A solução exige mais do que apenas mudar o material de construção; exige a “reciclagem” da cidade, com incentivo a retrofits de edifícios existentes.
A Nova Cara, a Velha Lógica: A arquitetura busca se reinventar. A “pele de vidro” (Berrini, Faria Lima) convive com uma volta surpreendente a materiais como a madeira tecnológica e até a taipa de pilão, usados por sua sustentabilidade. No entanto, projetos isolados não são suficientes: é preciso uma estratégia de planejamento urbano que priorize o coletivo sobre o concreto.
São Paulo continua sendo a “eterna ruptura”, mas o legado de Benedito Lima de Toledo nos mostra que a mudança real virá do engajamento popular e da consciência de que é preciso valorizar o passado para, finalmente, construir um futuro sustentável.
Fonte: Estadão