Postado em 16 de julho de 2025 por sn-admin
Reativar a Malha Oeste é colocar o Brasil nos trilhos do século 21 e beneficiar logística sul-americana. Por José Augusto Valente
A recente assinatura de um acordo de cooperação entre Brasil e China, com foco na realização de estudos para uma ferrovia interoceânica, recoloca no centro do debate a integração física da América do Sul. O Ministério do Planejamento já conduz análises técnicas sobre diferentes alternativas de conexão entre o Atlântico e o Pacífico. Essa discussão, no entanto, deve ir além da escolha de uma rota: trata-se de uma decisão geoestratégica, com implicações para o desenvolvimento regional, a segurança nacional e a soberania sul-americana.
Neste cenário, ganha destaque a Rota 4 – Bioceânica de Capricórnio, que parte do Porto de Santos (SP) e segue por Três Lagoas, Campo Grande e Corumbá (MS), conectando-se às malhas da Bolívia e integrando modais logísticos do Paraguai e da Argentina, até alcançar os portos de Antofagasta e Iquique, no Chile — com possibilidade de extensão até Chancay, no Peru.
Essa rota tem a seu favor um diferencial fundamental: pode ser estruturada a partir da reativação da Ferrovia Malha Oeste, já existente e com 1.973 km de trilhos implantados, hoje abandonados ou subutilizados. A Malha Oeste liga Santos a Corumbá, com um ramal até Ponta Porã. Sua reativação, com gestão pública liderada pela Infra S/A e apoio técnico do BNDES, exigiria investimentos muito menores do que os grandes projetos ferroviários greenfield. Essa alternativa não só é tecnicamente viável, como politicamente recomendável.
Atualmente, o Mato Grosso do Sul depende quase exclusivamente do transporte rodoviário — um sistema caro, poluente e sobrecarregado. A ferrovia permitiria o escoamento mais eficiente e sustentável de grãos, carnes, minérios, celulose e fertilizantes. Segundo estudo do Ipea, a integração da Malha Oeste ao Corredor Bioceânico pode reduzir em até 21% os custos logísticos desses produtos com destino ao Pacífico.
Além disso, sua reativação impulsionaria a reindustrialização verde e o fortalecimento de polos logísticos e agroindustriais, com geração de milhares de empregos e estímulo à inovação no interior do país.
Malha Oeste reposiciona o Brasil no cenário sul-americano
Do ponto de vista geopolítico, a Malha Oeste reposiciona o Brasil no cenário continental. O diplomata João Carlos Parkinson, coordenador dos Corredores Bioceânicos no Itamaraty, destaca que a Rota 4 representa “uma transformação ampla e profunda dos territórios que a integram”, deslocando o Centro-Oeste da periferia para o centro da logística sul-americana.
A ferrovia ainda pode se conectar aos portos fluviais de Ladário e Porto Esperança, no Rio Paraguai, ampliando o alcance da integração com a Bacia do Prata.
Há também um forte componente de soberania. A presença do Estado brasileiro em áreas de fronteira com Bolívia e Paraguai, por meio de infraestrutura logística controlada e regulada, reforça a segurança nacional e dificulta atividades ilícitas transfronteiriças.
Do ponto de vista institucional, o projeto se encaixa nos critérios dos principais organismos multilaterais que financiam a integração regional. Há hoje cerca de US$ 10 bilhões que podem ser utilizados para projetos ferroviários sustentáveis, via BID, CAF e Fonplata.
A governança do Corredor Bioceânico, já consolidada com encontros semestrais entre governos, universidades e setor privado, mostrou-se resiliente a mudanças políticas e está pronta para avançar.
Espinha dorsal do desenvolvimento nacional
A proposta é clara: que a Infra S/A assuma a estruturação técnica da reativação da Malha Oeste, como já faz com a FIOL e a Ferrovia Norte-Sul. O BNDES pode liderar a modelagem de parcerias público-privadas ou concessões internacionais com financiamento sustentável. O marco legal já existe. O que falta é uma decisão política à altura do projeto.
Mais do que uma ferrovia, a Malha Oeste é a espinha dorsal de um novo modelo de desenvolvimento nacional, com impacto continental. Um projeto que une trabalhadores, ambientalistas, empresários, governos, parlamentares e universidades em torno de uma agenda comum: a de um Brasil mais integrado, competitivo, sustentável e soberano.
Reativar a Malha Oeste é colocar o país — e especialmente o Centro-Oeste — nos trilhos do século 21.
José Augusto Valente é membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística do Clube de Engenharia. Foi secretário de Política Nacional de Transportes e presidente do DER-RJ.
Fonte: Monitor Mercantil