Postado em 7 de novembro de 2021 por sn-admin
Na laje de um sobrado no Bairro Bom Fim, em Porto Alegre, o telhado verde garante que a cozinha abaixo permaneça fresca no verão, mesmo recebendo sol durante a maior parte do dia. Na parte externa da casa, duas cisternas armazenam a água da chuva que é usada na rega das plantas em época de seca. E junto ao jardim da laje, um tipo específico de abertura que chega até o teto da cozinha garante a iluminação natural durante o dia, dispensando o uso de energia elétrica.
Essas foram algumas das técnicas de construção sustentável incorporadas à obra da casa de Maria Helena Bernardes e Fernando Lewis de Mattos, ela artista plástica e ele professor de música da Ufrgs, falecido em 2018. A obra, feita em 2015 pelo escritório Cuboverde Arquitetura Sustentável, atendeu ao desejo do casal de morar em uma casa antiga e característica do bairro, sem gerar impacto ambiental na reforma. “Gostamos da responsabilidade com a sustentabilidade e da noção de arquitetura humanizada que encontramos nos profissionais”, conta Maria Helena.
Na construção civil, conceito de sustentabilidade tem como base o tripé ambiental, econômico e social. A aplicação é sempre em conjunto, de forma a tornar economicamente viável uma construção que preserve os recursos naturais e promova impacto social positivo. A definição é da arquiteta Ingrid Dahm, sócia no escritório Cuboverde, que arremata: uma casa ou um prédio sustentável é aquele que, antes de qualquer outra característica, é marcado pela eficiência.
Atrelada ao uso do imóvel, talvez o exemplo mais conhecido de eficiência seja a energética, quando é adotado o uso dos painéis fotovoltaicos que captam a energia do sol e a convertem em energia elétrica. O payback – tempo de retorno do investimento – depende da geração e do valor investido e atualmente varia de cinco a oito anos. Após, o que se tem é basicamente economia, já que a manutenção é mínima e de longo prazo.
É a compensação econômica que se percebe no caso particular, mas o impacto é coletivo. “Uma construção sustentável é aquela que vai promover uma redução de impactos ambientais, melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram e trabalham naquele lugar, gerando ganhos potenciais a todos”, aponta Claudio Teitelbaum, diretor da Joal Teitelbaum Escritório de Engenharia.
A empresa tem como prática incorporar o conceito em todas as etapas do processo construtivo, como priorizar materiais da região da obra, o que favorece a indústria local e garante menor consumo de combustível no transporte, e mapear o destino dos resíduos.
Sustentabilidade está presente desde a concepção do projeto
Audrey Bello Ramos, dos escritórios Y Design e Iglesias & Bello Arquitetura, cita a concepção do projeto como o primeiro momento de sustentabilidade da obra que será feita. Trata-se do projeto integrado, que considera desde a escolha de um terreno em local já atendido por infraestrutura e serviços urbanos até a aplicação de técnicas consagradas da construção, como a orientação solar adequada.
Pensando na construção propriamente dita, o conceito está presente no momento da obra e, depois, no tempo de uso do imóvel, explica o arquiteto e urbanista Klaus Bohne, CEO do escritório de arquitetura e design TRIA Sistemas de Arquitetura.
O primeiro aspecto trata do uso de materiais que possam ser facilmente reprocessados; o segundo, do desempenho e eficiência energética da edificação, com tecnologia de isolamento térmico, controle da radiação solar e da renovação do ar interno.
Enquanto a eficiência está atrelada ao uso, a fase de construção, pressionada pela demanda de mercado, tem agilizado os processos e os sistemas construtivos, aponta Bohne. Com isso, a industrialização está mais presente neste ciclo, “o que permite controle maior de qualidade, na medida que tem menores prazos de execução”. É o caso dos itens pré-fabricados, que já chegam prontos ao canteiro de obras.
“No sistema industrializado, as paredes já saem da indústria com os revestimentos básicos, como isolantes térmicos, abertura para as janelas e tubulação de elétrica. Assim, não é preciso furar a parede depois, gerando entulho”, exemplifica Bohne. É uma compensação: o que se investe na etapa de construção reflete em desempenho e consequente economia durante o uso.
Incentivos do poder público podem estimular o setor
“Às vezes o prédio sustentável tem a mesma cara do que não é. É difícil para a população em geral, e até para o público técnico, entender aquele como um exemplo a ser seguido”, avalia Vicente Brandão, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura no Rio Grande do Sul (Asbea-RS). Como exemplo, o arquiteto cita o Bosco Verticale (Bosque Vertical), conjunto de dois prédios em Milão que tem árvores e diversas variedades de plantas em todas as fachadas. “O pulo do gato foi trazer isso para fora. É mais difícil ficar indiferente (ao prédio) e é o que está faltando para Porto Alegre”, comenta.
Embora sinta falta desse referencial, Brandão destaca medidas da Prefeitura de Porto Alegre comemoradas pelo setor construtivo – para ele, podem ser o fator decisivo a favor das construções sustentáveis. Um caso é o Decreto 20.746/2020, que incentiva o uso dos terraços em edifícios novos ou já construídos. As coberturas que tiverem elementos de sustentabilidade contempladas não serão consideradas como área adensável e não entrarão no cálculo da altura quando vinculadas à área condominial ou de uso público.
“O decreto dos rooftops sustentáveis incentiva a energia solar, a cobertura verde, a biofilia, e veio num momento importante da pandemia”, destaca Audrey Bello Ramos, diretora da Asbea-RS e integrante do GT Sustentabilidade, que colaborou com informações para a elaboração do decreto. Maria Helena Bernardes, que tem uma cobertura verde em casa, destaca essa como “uma tecnologia muito barata e de manutenção relativamente fácil”.
À frente do trabalho na prefeitura está a arquiteta Rovana Reale Bortolini, diretora de Projetos e Políticas de Sustentabilidade. “Tudo começa com a questão das mudanças climáticas”, explica. É a lógica do pensar global e agir local, incorporando à legislação medidas que tenham impacto ambiental positivo. Ela lembra outra iniciativa, de 2019, que desobriga novas edificações a ter um número mínimo de vagas de garagem.
Ainda para 2021, Rovana conta que está prevista uma nova medida: a criação de um selo que será concedido para construções que atendam premissas de sustentabilidade ambiental. O selo garantirá ao empreendedor incentivos fiscais e urbanísticos a serem regulamentados depois. Algo nesse sentido já consta na proposta de um regramento específico para construção no Centro Histórico – o projeto tramita na Câmara Municipal.
Hoje não existe no município benefício para edificações certificadas por organismos externos pelo atendimento de boas práticas ambientais ou de eficiência energética. O ganho de quem tem a certificação é garantir ao cliente que o prédio é realmente sustentável, explica a arquiteta Ingrid Dahm. Para ela, as construções sustentáveis terão atingido seu objetivo quando o conceito entrar na cultura a ponto de não ser mais preciso usar o termo: “arquitetura é isso”, conclui.
Fonte: Jornal do Comercio