Afinal, o concreto e o cimento são inimigos do meio ambiente?

Postado em 9 de maio de 2024 por

Usados de forma extensiva pela arquitetura e construção civil, esses materiais são vistos como inimigos da sustentabilidade. Entenda a controvérsia de cada um!

De represas a usinas, pontes a prédios e estradas à argamassa, o cimento é um elemento de extrema importância para a arquitetura e construção civil. Ele também é o principal componente do concreto, o material construtivo mais utilizado no mundo.

Acontece que a produção de cimento representa cerca de 8% das emissões de gás carbônico CO² no mundo, o que contribui diretamente para o efeito estufa e à crise climática. Para ilustrar melhor, se a indústria fosse um país, seria o terceiro maior emissor do gás – atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Por esta razão, muito se fala no cimento e no concreto como vilões da sustentabilidade no setor da construção civil. Conversamos com três especialistas no tema para entender se isso é verdade, os riscos associados ao material e a existência de alternativas mais sustentáveis.

Por que o cimento é prejudicial ao meio ambiente?
O cimento é prejudicial ao meio ambiente porque, no processo de fabricação do seu principal componente – o clínquer –, é necessário decompor quimicamente a rocha calcária. Trata-se de um processo muito energeticamente demandante, que queima bastante combustível e, como consequência, gera uma grande quantidade de CO².

Essa etapa da produção do cimento é responsável por mais de 90% das emissões atribuídas ao material, conforme explica Luiza Bueno Royer, arquiteta do escritório Selva Urbana (@selva.urb). “O clínquer é uma mistura de calcário moído, argila, minério de ferro e cinzas, que é aquecida em fornos rotativos, a 1400 ºC, e resulta em grandes quantidades de CO², sendo liberadas na atmosfera quando produzido. No final do processo, ele é resfriado, moído e misturado ao calcário de gesso, tornando-se cimento”, afirma.

Há vários tipos de cimento e os que possuem maior quantidade de clínquer (este varia de 30 a 95% da composição final da mistura) são mais danosos. É o que diz Bruno Luís Damineli, professor doutor no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e coordenador do Laboratório de Construção Civil na mesma instituição.

“Cimentos com 95% de clínquer podem emitir, dependendo do processo de fabricação, quase uma tonelada de CO² por tonelada de material (pior dos casos)”, diz ele, que vem trabalhando em formas sustentáveis de concreto desde seu doutorado, realizado na Escola Politécnica da USP.

A produção do cimento é um primeiro momento. Mas a execução do concreto, no qual aproximadamente 10% é cimento, também apresenta alguns pontos de atenção. É o caso do emprego de recursos naturais em excesso (a exemplo de areia, cascalho e água) e do desperdício de materiais, como a madeira das caixarias de formas, que geralmente não são reaproveitadas.

“Além disso, muita água é descartada nos lençóis freáticos ao final, o que resulta em erosão do solo e degradação da biodiversidade e dos ecossistemas”, comenta Irina Biletska (@irinabiletskaarchitects), arquiteta ucraniana que trabalha com arquitetura orgânica, permacultura, bioconstrução e sistemas de engenharia sustentáveis.

Por fim, é preciso pensar na obra como um todo, até a sua demolição. Assim que é produzido, o concreto se torna um material inerte – portanto, quando se torna resíduo, é incapaz de se degradar, o que também contribui para os impactos à natureza.

Saúde humana
Como apontado, são vários os riscos ambientais associados ao cimento e concreto, mas é preciso levantar também a questão dos perigos à saúde humana. A produção e o manejo do cimento em pó libera uma poeira capaz de provocar irritações quando em contato com a pele, os olhos e as vias respiratórias.

“Isso sem falar nos problemas relacionados à inalação dessa poeira de cimento: alguns estudos estimam que 10 a 20 anos de exposição a ela podem gerar graves problemas pulmonares”, diz Luiza, cuja atuação é voltada para desenvolvimento de projetos com baixo impacto ambiental.

Assim, pedreiros e demais trabalhadores devem usar máscaras e equipamentos de proteção individual para resguardar a sua saúde e evitar a exposição a esse material químico.

Há casos piores
Apesar da importância de entender o papel do concreto na crise climática, Bruno afirma que este não é o material de maior impacto e menos sustentável na construção. Ainda segundo ele, o consumo de cimento dentro do concreto é algo que varia de 260 kg a 400 kg para cada m³ de concreto (cada m³ de concreto tem aproximadamente 2300kg).

“Isso significa que pouco mais de 10% do concreto é cimento, de forma que o impacto deste material é muito diluído na formulação do concreto”, diz.

Agora, um pouco de matemática: diante destes dados, tem-se que, em 2,3 toneladas de concreto, há aproximadamente 330 kg de cimento. Em uma tonelada de concreto, portanto, existe algo próximo de 150 kg de cimento.

Então, na pior das hipóteses, são emitidos 150 kg de CO² para cada tonelada de concreto produzida. Mas há casos piores. “O aço, por exemplo, emite de duas a cinco toneladas de CO². O alumínio pode chegar a 12 toneladas de CO² por tonelada de material. As emissões da madeira, sim, podem chegar a negativas caso seja madeira plantada – por outro lado, a nativa extraída de forma ilegal pode gerar mais de 15 toneladas de CO² por tonelada”, explica Bruno.

Assim, em uma conta final, o concreto ainda acaba impactando menos o ambiente do que a maioria dos materiais de construção.

Conheça as alternativas

É preciso entender que o concreto ainda será bastante usado, tendo em vista que a população urbana continua crescendo, portanto, obras de grande infraestrutura, que demandam o uso do material, fazem-se necessárias.

Outro fato relevante é que estamos abordando uma indústria que movimenta o PIB de diversos países ao redor do mundo e, no Brasil, também tem uma produção expressiva.

Fonte: Um só planeta