Postado em 25 de maio de 2022 por sn-admin
A moradia sempre será um tema e desafio para os arquitetos. Pensá-la de forma que atenda a toda a população e em contextos mais precários é uma das tarefas mais complexas, e talvez impossíveis, de serem plenamente consolidadas. Cada lugar e família sempre colocarão pontos distintos de prioridade em um projeto, motivo pelo qual recorrer a um padrão de soluções não é o ideal. No entanto, diversas propostas apresentam possibilidades de intervenção que criam uma intricada costura entre os mais distintos fatores: infraestrutura básica, programa, desejos próprios, estética, orçamento. Por isso, reunimos aqui alguns exemplos brasileiros de habitações populares, que vão desde uma casa unifamiliar até grandes blocos residenciais.
Porém, antes de analisar os projetos selecionados, achamos de fundamental importância atentar para uma análise crítica sobre qual seria o papel do arquiteto quando intervém nesses espaços. Por isso, trazemos aqui um importante questionamento de Paola Berenstein Jacques, presente em seu artigo Estética das favelas: “Do caso mais extremo onde a favela era removida e seus habitantes relocados em conjuntos habitacionais cartesianos modernistas, até o caso mais brando atual, onde os arquitetos da dita pós-modernidade passaram a intervir nas favelas existentes visando transformá-las em bairros, a lógica racional dos arquitetos e urbanistas ainda é prioritária e estes acabam por impor a sua própria estética que é quase sempre a da cidade dita formal. Ou seja, a favela deve se tornar um bairro formal para que uma melhor integração da favela ao resto da cidade se torne possível. Mas as favelas já não fazem parte da cidade há mais de um século? Será que essa integração formal é necessária?”
Com essas questões na cabeça, te convidamos a conferir abaixo projetos publicados anteriormente no ArchDaily que trazem diferentes formas de pensar e intervir em contextos mais populares, das favelas ao rural, acompanhado por textos retirados de seus memoriais descritivos.
A Casa Vila Matilde é provavelmente o exemplo mais conhecido de uma intervenção bem-sucedida realizada por arquitetos em comunidades. Nela, Terra e Tuma Arquitetos Associados contou com a própria experiência em estrutura e blocos aparentes, para viabilizar uma obra de baixo custo, com maior controle e agilidade. Segundo eles, o maior desafio foi a fase inicial da obra: quatro meses demolindo cuidadosamente a casa antiga, ao mesmo tempo em que se executavam as fundações e arrimos que escoravam as casas vizinhas, apoiadas em seus muros de divisa.
Seis meses depois de se iniciar a execução das alvenarias a casa pôde ser concluída. O destaque se dá na área central da casa, com um pátio que cumpre a função essencial de iluminar e a ventilar os ambientes da residência.
O Coletivo LEVANTE, foi o responsável pela obra da Casa no Pomar do Cafezal. Nela, o clássico bloco de 8 furos determina a materialidade da casa, só que assentado na horizontal e revelando sua face frisada. Algo muito pouco comum no morro, uma vez que assentar o bloco em pé é mais rápido, e faz com que o material renda mais. Segundo os arquitetos, a ideia foi garantir melhor inércia térmica para a casa, já que com assentamento na horizontal, a largura da parede será correspondente à maior dimensão do bloco. Além disso, este elemento modular foi explorado de diferentes modos, em algumas situações aparece como cobogó, ou combinado com blocos de concreto, por uma necessidade estrutural.
Assim, foi mantido o repertório construtivo tão próprio dos mutirões, quanto à estrutura e aos fechamentos de tijolos aparentes, e se destaca no projeto o cuidado com questões referentes ao fluxo das águas de chuva e sua absorção no terreno; a busca por ventilação e iluminação naturais de forma generosa, além do controle de temperatura com elementos leves como as peças roliças de eucalipto e a vegetação.
Na provocação de se pensar a moradia enquanto espaço honesto para quem a ocupa, o NEBR arquitetura, concebeu, inseridas num contexto mais rural, as Casas Populares Paudalho. Implantadas em modestos lotes de dimensões 8m x 20m e executadas pela mão de obra local pouco qualificada, o prazo construtivo ocorreu em apenas 120 dias.
Aqui, “o partido arquitetônico advém da sombra, ao gravitar um certo ritmo substancial à caligrafia precisa de linhas retas no equilíbrio formal. A escassez de contornos mansos preside a altivez por pontas e arestas no apuro geométrico. O projeto re-questiona dimensões hostis e princípios enérgicos de economia espacial estigmatizados à casa popular. No fruir do vazio edificado a partir do desenho em altura, o céu torna-se o horizonte pois pouco se tinha chão”.
Perante uma situação existente de precariedade, configurada por domicílios autoconstruídos de madeira ou alvenaria, com um ou dois pavimentos, erguidos em áreas de risco de desabamento, inundações e contaminações. A Urbanização do Jardim Vicentina, realizada por Vigliecca & Associados, previa a remoção e remanejamento dos moradores das áreas mais críticas, à beira do córrego, e a implantação de três tipologias diferentes, agrupadas linearmente ao longo do córrego canalizado, definindo duas novas frentes urbanas de cada lado do eixo viário de serviços proposto.
Nela, optou-se pelo método construtivo de bloco cerâmico estrutural aparente, para um melhor desempenho termoacústico e fachadas de pouca manutenção.
Também realizado pelo Vigliecca & Associados, o Residencial Parque Novo Santo Amaro V teve como diretriz geral a criação ao longo do curso d’água existente um eixo central verde, resgatando a condição original na região dos mananciais da represa Guarapiranga. “O projeto constrói vários ‘portais’ aumentando o número de acessos ao parque linear, e diminuindo o isolamento do interior em relação ao seu entorno. Com o mesmo intuito incluem-se no projeto duas passarelas metálicas que conectam os dois lados da encosta passando acima do parque”.
Segundo os arquitetos, “as famílias removidas do local serão relocadas para as unidades habitacionais criadas na mesma área, tendo ainda uma quantidade maior de apartamentos, que atenderá a demanda de outros setores da região, que também se encontram em áreas de risco”.
Outro exemplo está na Reurbanização do Sapé, que atende 2500 famílias em condições precárias de moradia no Bairro do Rio Pequeno. Realizado pelos escritórios Base Urbana e Pessoa Arquitetos, o projeto se estrutura a partir da costura urbana entre as duas margens do córrego a partir do desenho de espaços públicos, se tornando uma ferramenta de inclusão na medida em que suas ações desenham oportunidades de conexão, encontro social, vivência e troca no espaço público urbanizado.
“O projeto proporciona uma relação de permeabilidade entre as áreas públicas, coletivas e privadas. (…) O edifício contempla sete tipologias de unidade habitacional, além das unidades de comércio e serviços. A quantidade de cada tipo foi definida com o levantamento das famílias ao longo do trabalho. O sistema construtivo adotado foi otimizado com a padronização dos vãos para portas e janelas, das paredes hidráulicas com prumadas fixas e proporcionou a ventilação cruzada. A circulação horizontal avarandada coletiva transpôs para o pavimento um espaço de convivência existente nas vielas da favela, criando a oportunidade de troca entre as famílias de um mesmo andar”.
O Residencial Alexandre Mackenzie se insere nas ações de urbanização da Favela Nova Jaguaré em São Paulo com o objetivo de realizar parte do reassentamento das famílias moradoras das áreas de risco. Realizada por Boldarini Arquitetos Associados, a implantação do conjunto explora as relações entre o espaço público e privado ao propor vias, vielas e áreas de uso coletivo que se integram as ruas do entorno, viabilizando novas conexões com o tecido existente.
“O conjunto é composto por duas soluções de arquitetura, prédios e casas sobrepostas, que tem como elemento principal da sua organização a disposição das áreas comuns diretamente relacionadas com as estruturas de circulação conformando espaços de continuidade à moradia”.
Por sua vez, o Residencial Corruíras foi executado para viabilizar o reassentamento dos moradores da Favela Minas Gerais, em São Paulo, uma ocupação irregular lindeira à obra. Projetado por Boldarini Arquitetos Associados, o conjunto está implantado em um terreno com declividade acentuada próximo ao córrego Água Espraiada, de modo a oferecer uma oportunidade singular para a percepção do relevo e paisagem.
No projeto, a circulação horizontal com passarelas como elemento estruturador e articulador do conjunto foi valorizada para reforçar a ideia do espaço coletivo como lugar da troca, numa referência à varanda presente na “casa brasileira” que olha ao pátio interno.
Por fim, o SEHAB Heliópolis, realizado por Biselli Katchborian Arquitetos, ocupa perifericamente a quadra urbana, conformando um pátio interno de acesso público, voltado ao lazer dos moradores do conjunto.
Aqui, a topografia do terreno é aproveitada no intuito de maximizar o número de apartamentos com acesso em diferentes níveis que são conectados por passarelas, cuja solução em estrutura metálica as torna singulares no conjunto, e conformam as áreas de lazer cobertas do conjunto. A distribuição das unidades e o uso de cores foram determinantes para a leitura do conjunto como diferentes torres sem, contudo, perder-se a noção de pertencer ao todo.
Fonte: Archdaily