Postado em 10 de agosto de 2022 por sn-admin
Entidades de classe, empresas privadas e órgãos públicos discutem metas e práticas efetivas para que a construção civil no país consiga reduziras emissões de carbono relacionadas às atividades cotidianas do setor
A necessidade de diminuir as emissões de carbono da construção civil tem mobilizado entidades de classe, iniciativa privada e representantes do poder público do país. Encontros realizados pela Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), pelo Sindicato da Construção Civil (Sinducon-SP) e pelo Sindicatoda Habitação (Secovi-SP) junto a seus associados têm buscado debater propostas de ação e alinhar metas que viabilizem um cenário de carbono zero no setor até 2050.
Levantamentos recentes da Agência Internacional de Energia (IEA) colocam a construção civil mundial como responsável direta e indireta por 39% dos gases do efeito estufa liberados na atmosfera. Cerca de 11% desse volume estaria ligado à cadeia produtiva de aço e cimento. O restante refere-se à produção de energia para manter os edifício sem funcionamento.
Como impacto no setor de real estate, empreendimentos que não contemplam ações para reduzir a pegada de carbono desde a fase construtiva tendem a perder valor de mercado — o que afasta clientes potenciais. A constatação é comprovada na pesquisa da Johnson’s Controls, especializada em edificações sustentáveis, realizada no final de 2021, que ouviu 2,3 mil executivos de 19 setores distintos em mais de 25 países.
Segundo o estudo, 72% dos líderes empresariais consideram prioridade investir na área de sustentabilidade de suas companhias nos próximos dois anos. Fica claro que todo esse esforço incluirá a opção por escritórios, galpões e unidades fabris de baixo carbono. No Brasil,reuniões setoriais têm sido organizadas com o objetivo de estimular incorporadoras e empresas da cadeia a produzir inventários de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e gerar ações efetivas que colaborem para as metas de redução.
Em 2020, por exemplo, o Sinduscon-SP, em parceria com a empresa alemã Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), lançou o CE Carbon: uma ferramenta gratuita que calcula o consumo energético e as emissões de carbono dos materiais usados na construção civil.
Para o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes, são iniciativas necessárias para ampliar a conscientização dos setores público e privado quanto a soluções construtivas mais sustentáveis. “Se as áreas do mercado imobiliário trabalharem conjuntamente, será possível zerar as emissões de carbono ou algo muito perto disso”, acredita.
As empresas certificadoras também têm papel importante nesse processo. “Na França, as certificações verdes provocaram mais engajamento do setor e, gradativamente, subiram a régua da lei, levando a padrões de exigências mais altos”, afirma Ana Rocha Melhado, presidente da proActive, especializada em consultoria ESG para a construção civil.
Ana reforça que as metas de carbono zero carecem de apoio governamental, “porque a indústria da construção civil não pode arcar com todos os investimentos para a criação de uma infraestrutura de energias renováveis” que atenda ao setor. Como solução, ela aponta incentivos em impostos para construções verdes, como houve para houve para linha branca de eletrodomésticos.
PAPEL DO ESTADO
O subsecretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Eduardo Trani, concorda que o setor imobiliário não consegue resolver sozinho uma questão tão complexa. “O estado pode criar políticas de descarbonização para mudar a transição energética”, afirma o subsecretário, que também é coordenador do Plano de Ação Climática Net Zero 2050.
Lançado pela Secretaria de Infraestrutura e do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, em 2021, o plano terá cinco eixos: eletrificação acelerada; combustíveis avançados; eficiência sistêmica; resiliência e soluções baseadas na natureza; e finanças verdes e inovação. “O primeiro grande objetivo é atingir o urbanismo sustentável, em parceria com o setor privado”,afirma Trani.
Em junho deste ano, o governo paulista lançou o Limpa-Entulho, uma usina móvel capaz de triturar entre 80 e cem toneladas de resíduos de construção por hora. Cada unidade custa R$ 3,2 milhões. O investimento público para atender 27 consórcios de municípios deverá chegar a R$ 87 milhões.
Outras ações implantadas são a adesão ao Procel, para melhorar a eficiência energética dos prédios públicos, e uma parceria com a companhia de energia para modernizar a iluminação dos hospitais do estado.
Soluções verdes ajudam a valorizar os imóveis
A adoção de medidas para reduzir consumo de energia, desperdício de água e gerar menos resíduos agrega valor aos empreendimentos
Imaginar um resultado positivo desse esforço coletivo de entidades de classe e do poder público só será possível com o envolvimento das incorporadoras e construtoras privadas. Cabe a elas a criação de técnicas construtivas sustentáveis que ajudem a neutralizar as emissões de carbono, sobretudo em um momento de expansão do mercado imobiliário no país.
Entre os recursos mais utilizados estão a metodologia BIM e o uso de madeira engenheirada e de painéis fotovoltaicos para geração de energia elétrica própria no condomínio. Optar pelo retrofit de prédios antigos também é uma decisão que agrega ao esforço de descarbonização.
Soluções verdes geram ainda economia na manutenção dos edifícios no longo prazo. É o que salienta Roberto Pastor Júnior, diretor técnico da Trisul: “Esse conjunto de ações reduz a pegada de carbono na fase construtiva, além de diminuir os custos fixos operacionais”.
O executivo diz que, mesmo que algumas dessas medidas exijam investimentos maiores, vale a pena fazer. Quando a Trisul começou a adequar seus projetos às exigências de sustentabilidade, o impacto foi de 1% a mais no custo da obra. Hoje, esse valor já foi absorvido pela empresa graças à economia que eles geraram no longo prazo.
Felipe Faria, presidente do Comitê dos CEOs do World Green Building Council (GBC), afirma que a mobilização entre associações, empresas e poder público no Brasil é algo único no mundo. “Não vejo nada parecido em outros países onde o GBC está presente. Apenas 5% das construções do planeta atingiram o certificado LEED Platinum, o mais alto nível do selo GBC. Desse total, 8% estão no Brasil”, ressalta.
Fonte: Valor