Postado em 10 de novembro de 2023 por sn-admin
Fundada em 2019, pelo empresário Guil Blanche e com R$ 400 milhões sob gestão, a empresa compra edifícios comerciais icônicos do centro paulistano e os requalifica em empreendimentos residenciais
Vencedor do prêmio Pritzker, o “Pulitzer da arquitetura”, o modernista Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) costumava dizer: “Quem tem medo do centro tem medo da liberdade”. A liberdade de ocupar as ruas da cidade onde se vive, de andar de ônibus, metrô e bicicleta. A liberdade de ir a pé, respirar cultura e celebrar a diversidade.
O brasileiro das grandes cidades, em especial o de São Paulo, tende a ter horror ao centro. Medo dos espaços abandonados, dos pedintes e dos bêbados. Medo da violência, da pobreza e da desigualdade.
Em nome de uma suposta segurança, renunciamos àquela liberdade que apenas o centro pode nos proporcionar – “a coisa mais livre que pode existir para o homem de hoje”, como definia o arquiteto. Isolamo-nos nos condomínios dos bairros, monitorados por câmeras de vigilância, 24 horas por dia, sete dias por semana. Trancamo-nos nos automóveis blindados, das janelas seladas com insulfilme.
Só há uma maneira de reconquistar a liberdade esquecida nos prédios vazios do centro: ocupando-o. É o que o empresário Guil Blanche, de 33 anos, vem fazendo desde 2019, quando fundou a Planta Inc. A empresa dedica-se à aquisição de edifícios comerciais das décadas de 1950 e 1960 e à sua requalificação em empreendimentos residenciais. Quer melhor forma de vencer o medo do centro do que levar as pessoas para morar lá?
A obra mais recente é também a quinta da Planta: o icônico edifício Renata Sampaio Ferreira. Desenhado pelo arquiteto-engenheiro Oswaldo Bratke (1907-1997) em 1956 e tombado em 2012, o prédio acaba de ser reinaugurado.
Com projeto assinado pelo escritório Metro Arquitetos, responsável também pelo anexo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), o “novo” Renata dispõe de 93 apartamentos, em cinco configurações – de estúdios de 25 metros quadrados a duplex de dois a três quartos.
Lá, foi construído um centro de lazer com academia, sauna, solário e piscina. No reflexo da água, duas joias da arquitetura paulistana; o Copan, de Oscar Niemeyer (1907-2021), e o Terraço Itália, do alemão Franz Heep (1902-1978). Até terminar o verão, nos finais de semana, estrelas da gastronomia brasileira, como Helena Rizzo e Janaina Rueda, se revezam no comando do restaurante Parador.
O “clube” do Renata não está disponível apenas aos moradores, funcionando também no sistema “day use”. Um salão adjacente pode ser alugado para festas ou qualquer outro tipo de evento.
O modelo “multifamily”
O custo total do projeto, da compra à requalificação do prédio, ficou em torno de R$ 60 milhões. A multinacional americana Blueground, especializada em locação flexível, opera o condomínio, e a proptech brasileira Tabas oferece os aluguéis em sua plataforma.
O modelo de negócios segue a filosofia “multifamily”. Novidade por aqui, mas bem consolidado nos Estados Unidos, o conceito vem atraindo o interesse dos fundos brasileiros de investimento imobiliário. Apesar de destinado à moradia, o empreendimento pertence à categoria de imóveis comerciais, já que todas as unidades estão registradas sob uma mesma matrícula –ou seja, têm um único dono.
Além do Metro, a Planta trabalha em parceria com alguns dos escritórios de arquitetura mais celebrados da contemporaneidade, como o MMBB, o André Vainer e o Vapor. Os apartamentos são alugados mobiliados, para, no mínimo, dois dias de permanência. Os preços variam de R$ 3 mil a R$ 30 mil mensais, conta Blanche.
Os projetos da Planta são investidos por fundos, como o FII Planta Desenvolvimento Urbano e Retrofit, em sociedade com a gestora Valora. No portifólio do empresário, uma das obras foi apoiada pela Central Capital, gestora de private equity imobiliário. A Planta tem hoje cerca de R$ 400 milhões, sob gestão.
“O pedacinho mais vibrante”
O interesse de Blanche pelo centro paulistano se concentra na Vila Buarque, “o pedacinho mais vibrante da região”, como ele define. Até os anos 1940, o bairro era residencial. Em pouco tempo, virou comercial, quando os prédios de escritórios começaram a ser erguidos.
Na década de 1970, a construção do Elevado Presidente João Goulart (antigo Costa e Silva), o “Minhocão”, disseminou a degradação. Os negócios então migraram para a avenida Paulista, para a Brigadeiro Faria Lima e, mais recentemente, para a Luís Carlos Berrini. E os edifícios da Vila Buarque esvaziaram.
Há uns quinze anos, porém, a badalação da Vila Madalena e de Pinheiros encareceu o metro quadrado e os empreendedores da economia criativa passaram a ocupar “aquele pedacinho” do centro. Os premiadíssimos chefs Jefferson e Janaína Rueda estão entre os pioneiros da agora efervescente Vila Buarque.
Aos Dona Onça e Casa do Porco, à lanchonete e sorveteria Hot Pork e ao frigorífico Porco Real se seguiram outros restaurantes, bares, casas de show, danceterias teatros, karaokês e lojinhas descoladas. Com muitas faculdades e escolas nas proximidades, a Vila Buarque é tomada pela inquietação juvenil dos estudantes.
“Tivemos a sensibilidade de perceber o potencial de conversão dos escritórios vacantes em residências e o processo de transformação pelo qual a região está passando”, afirma Blanche. “Resolvemos entrar no bairro de forma oportunística; surfar essa onda.” Fazer da Vila Buarque o que foi feito do Soho, em Nova York, nos anos 1990, por exemplo.
Como surfista, ele é um ótimo empresário. Antes de ser inaugurado, o edifício Renata já estava 100% ocupado. No portfólio da Planta, constam cinco prédios já prontos, acabados e habitados. Outros três estão previstos para 2024.
Fonte: @nizan_n_ideias