Integração, automação e sustentabilidade norteiam a transformação digital do mercado imobiliário

Postado em 12 de maio de 2021 por

Visualize a seguinte cena: você acorda pela manhã, caminha descalço até a cozinha, retira da cafeteira o café pronto cujo preparo deixou programado no dia anterior. A casa está fresca e arejada, graças às plantas que decoram o ambiente e aos materiais naturais que emolduram as paredes. Com a xícara em mãos, você caminha até a sacada, onde cumprimenta um ou outro vizinho e aprecia o movimento na rua, enquanto escuta as principais notícias do dia a partir de um comando de voz a uma assistente virtual.

Essa cena imaginada retrata algumas das tendências que arquitetos, pesquisadores e nomes à frente de startups do mercado da construção civil vislumbram para o futuro do morar nas grandes cidades: uma vida mais conectada à comunidade e à natureza, mas mediada por inteligência artificial, pela internet das coisas e demais inovações.

Essa palavra – inovação – é essencial para que se possa projetar a experiência de um ambiente residencial nas próximas décadas. É ela também que dita as frentes de atuação do Sebrae PR para o setor de construção civil e da indústria de base tecnológica, canalizadas na iniciativa chamada de Eixo Indústria, um programa que tem como objetivo iniciar a transformação digital em pequenas empresas.

Segundo Adriana Kalinowski, coordenadora estadual de projetos para indústria e construção civil do Sebrae Paraná, a proposta deste programa setorial é aproximar e conectar pessoas, lideranças, empresas, startups e iniciativas voltadas para a transformação digital das áreas atreladas a ela – engenharia, arquitetura, design, por exemplo.

“O programa Eixo Indústria visa o compartilhamento de informações, de parcerias, a formação de redes empresariais de negócios para fomentar a inovação, a criatividade e o desenvolvimento de novas tecnologias. Além das capacitações e consultorias, que são frentes de atuação reconhecidas do Sebrae, queremos aproximar pessoas e criar espaços em que elas também possam compartilhar conteúdo e dividir experiências”, detalha Adriana.

Uma das iniciativas que possibilita essa interação é a comunidade digital do Sebrae para Construtechs, Proptechs e Greentechs, foi criada para viabilizar os objetivos de reunir indivíduos e empresas que tenham interesse em novas tecnologias construtivas, novos serviços imobiliários e soluções sustentáveis. “A plataforma é aberta, gratuita, para criação de conteúdo com esta temática, aproximando pessoas com interesses similares, além da geração de networking digital, com o objetivo de disseminação das tendências do setor por diversos profissionais de mercado que escrevem seus posts de forma colaborativa, explica Adriana Kalinowski, head da comunidade digital Construtech.

Esse compartilhamento de experiências é essencial para tornar o setor mais aberto à inovação e para que o futuro tecnológico imaginado para o morar seja cada vez mais palpável. E ele está mais próximo do que muita gente pensa.

Tendências à porta

Uma década atrás, falar em “construções inteligentes” podia fazer com que o interlocutor imaginasse uma cena do desenho animado futurista Os Jetsons. Hoje, quem acompanha o setor já visualiza uma série de gadgets e ações possíveis incorporadas à rotina. “Como as pessoas tendem a passar mais tempo em casa, é necessário também mais praticidade em relação à manutenção da casa, como robôs que fazem limpeza, geladeiras que alertam sobre os produtos que estão acabando, entre outras”, comenta a arquiteta Kelly Trindade Macieski.

Ela acredita que as pessoas sempre buscam mais comodidade e segurança, e para isso estão cada vez mais acessíveis tecnologias que há pouco tempo eram “coisa de filme”: “automação de luz e som, de rega das plantas, de abertura e fechamento de janelas, segurança com biometria facial, carregamento de eletrônicos através de indução, são apenas alguns exemplos de tecnologias cada vez mais comuns das casas atualmente”.

A automação e a inteligência artificial também estão entre as tendências apontadas pelo arquiteto Frederico Carstens, da Realiza Arquitetura. “Com a automação, a casa passa a se tornar mais preditiva em relação aos seus hábitos e necessidades. É uma espiral ganha-ganha em que você junta materiais orgânicos, espaço integrado, sustentabilidade, uso racional de energia, de água, junto com recursos de produção de energia”, diz, complementando: “Ao unir tudo isso, temos uma casa viva, regenerativa, no sentido de que cada construção vira uma usina, no final sobra energia, sobra ar limpo, sobra água”.

A produção de energia limpa, citada por ele, está atrelada à segunda tendência: a de que não se pode mais falar em construir e reformar, sem pensar em sustentabilidade e em trazer o verde para dentro de casa, de muitas maneiras diferentes.

O verde como conexão

Com a pandemia, a necessidade de distanciamento social e, muitas vezes, a proibição de circulação em locais públicos para não gerar aglomeração, a carência de elementos naturais, vitais para a sensação de bem-estar humana, foi ficando mais latente, no ponto de vista da arquiteta Luize Andreazza Bussi.

A solução para essa questão bastante pontual pode ser o emprego de estratégias relativas ao design biofílico, que, “além de trazerem literalmente o verde para dentro de casa, também estimulam o contato com materiais que remetem ao ambiente natural, como por exemplo a valorização da iluminação e ventilação naturais; usos de materiais naturais como a madeira, estimulação sensorial por meio de elementos como fontes de água, entre outros recursos”, afirma Luize.

Ela elucida que o design biofílico é a forma como conseguimos projetar nos ambientes construídos nossa necessidade inata de estarmos em contato com elementos naturais. “Assim, é mais que uma tendência, e sim uma necessidade que a cada dia se torna mais identificável. Então o uso de estratégias e elementos biofílicos como os citados anteriormente podem contribuir não apenas para o morar, mas também o trabalhar, seja feito em meio a um ambiente mais saudável”.

Em outras palavras, não se trata apenas do fato de que muitas pessoas antes avessas à ideia de cultivar seu próprio jardim se tornaram verdadeiras “mães de plantas” durante a pandemia de coronavírus. A tendência a tecnologias construtivas mais sustentáveis e a incorporar a natureza na decoração e também na arquitetura já estavam se fortificando nos últimos anos.

Um dos frutos dessa tendência à inovação atenta à natureza é o trabalho desenvolvido pela Mush, uma startup que nasceu dentro da UTFPR em Ponta Grossa. Segundo Eduardo Bittencourt Sydney, sócio-fundador da empresa e professor da mesma universidade, a Mush surgiu a partir de pesquisas visando o reaproveitamento de resíduos sólidos do agronegócio, como cascas, palhas, bagaços, entre outros, que são produzidos em enormes quantidades e são pouco aproveitados.

“Nós desenvolvemos uma tecnologia em que esses resíduos servem como fonte de nutrientes e suporte para o crescimento de um fungo. Este fungo, à medida em que cresce, atua como uma “cola natural” agregando as partículas do resíduo e formando um novo material. Ao final do processo, o fungo é inativado e o material se torna 100% inerte (e seguro!)”, explica.

O material produzido pela Mush tem ainda outras características interessantes: “É biodegradável, leve, apresenta resistência mecânica e à umidade, é resistente à chama e faz absorção acústica e isolamento térmico”.

Segundo ele, o material oferece a possibilidade de substituir o poliestireno expandido em construções monolíticas e em lajes, ou ocupando o lugar de materiais tradicionalmente usados para absorção acústica, como lã de rocha, lã de vidro e outros similares pouco sustentáveis. “Enquanto a substituição do poliestireno está em validação, a aplicação do nosso material na absorção acústica já está pronta para ir ao mercado. Nossa primeira linha de produtos se chama “Coleção Íris” e é composta por três produtos que visam contribuir para ambientes mais confortáveis e produtivo”.

Outra iniciativa que também integra as tendências de construções inteligentes e sustentabilidade são os produtos desenvolvidos pela uBeton, empresa com forte atuação em inovação e aprimoramento de materiais, focada em melhorar a produtividade das obras, e acelerar processo construtivos com soluções de menor impacto ambiental. O carro-chefe da empresa neste sentido é uma massa polimérica para assentamento de tijolos. “É um produto que chega pronto, reduzindo em cerca de 20 vezes o consumo de argamassa na fase da alvenaria”, explica Fernando Casavechia Teixeira, sócio e diretor comercial na uBeton.

Segundo ele, menos material e menos movimentação desse material ajudam a reduzir em 95% o consumo de água e diminuem o consumo de energia elétrica nesta fase. “Aumenta também a produtividade do pedreiro, já que é aplicado com uma bisnaga de alto rendimento, em que um quilo de massa substitui 20 kg de produto convencional”, complementa.

O trabalho da uBeton dialoga com outras tendências de construção que estão ligadas ao processo de construção: a própria sustentabilidade, o reaproveitamento de recursos e a construção modular, que utiliza elementos fabricados e pré-fabricados, o que reduz o custo de manutenção do canteiro de obras.

A aplicação dessas tendências, no entanto, depende da maior abertura do setor para isso: “A principal inovação do setor é uma integração melhor entre todos os componentes – arquitetos, engenheiros, todos trabalhando juntos. Com o uso de tecnologias de integração, desde o início da obra, todos já sabem o que vai acontecer, ocupa-se menos tempo e há mais previsibilidade” sugere Teixeira.

Integrar para viver

Assim como para a uBeton, para Frederico Carstens o futuro da construção é junto, não separado. Essa palavra, integração, permeia todo o processo construtivo, do planejamento à execução, passando pela própria composição dos ambientes e chegando ao uso que será feito dos espaços. “Do ponto de vista funcional, me parece que cada vez mais, o que se verá serão ambientes mais integrados, sem divisões entre área de serviço, área social e privativa. Vejo tudo isso muito mais integrado, pensando mais no ganho de qualidade do espaço do que na segregação entre o viver e o serviço, até porque isso causa a necessidade de espaços intermediários, corredores”.

Os novos projetos arquitetônicos colocam as casas e apartamentos mais próximos da rua, das calçadas, dos vizinhos. “É quase uma volta às casas de antigamente, onde se dizia que as casas são os olhos da rua, onde as pessoas colocavam a cadeira na calçada para descansar. Há um retorno a essa aproximação inclusive para os prédios, onde projetos têm pensado a área de lazer distribuída entre vários pavimentos, integrados com os apartamentos”, comenta ele.

A ideia de integração também aparece em outro sentido, atrelada à inovação tecnológica: “Se a casa for regenerativa e integrada à tecnologia, poderemos ter no futuro uma integração de empresas e prestadores de serviços em um mesmo ambiente, um aplicativo ou uma rede social, que faça uma curadoria e coloque esses prestadores à disposição de quem busca, por exemplo”.

A própria comunidade digital Sebrae Construtech é uma iniciativa que segue esse direcionamento: o da integração. Para a head, esse espaço promove uma espécie de “inovação humanizada”, uma vez que agrega tecnologia, mas também o lado humano e social da construção. “É preciso considerar o relacionamento, o compartilhamento do conhecimento, esse novo momento que vivemos, em que o convívio profissional passou a ser misturado com a família, isso é inovação humanizada, não é só ter um aparelho de última geração em casa, mas usá-lo para melhorar nossa experiência de humanidade”, finaliza Adriana Kalinowski.

Fonte: www.gazetadopovo.com.br/