Postado em 16 de julho de 2021 por sn-admin
A construção da loja conceito da marca de chocolates Dengo, na Avenida Faria Lima, em São Paulo, gerou um único saco de entulho.
O prédio vistoso, de quatro pavimentos, inaugurado no fim de 2020, foi erguido com vigas e lajes de madeira engenheirada — uma tecnologia desenvolvida há 20 anos na Áustria e que começará a ser produzida em larga escala no Brasil pela Urbem, em 2022.
Novo negócio da Amata (empresa florestal fundada em 2005 por Dario Guarita Neto, Etel Carmona e Roberto Waack), a Urbem está levantando sua fábrica no Paraná, onde a companhia opera uma floresta de pinus — a principal matéria-prima dos dois produtos engenheirados que prometem levar agilidade e sustentabilidade ao canteiro de obras: o CLT (Cross-Laminated Timber) e o Glulam.
Gerente de projetos da Amata, Ana Belizário explica:
“Sozinho, o pinus é um material de baixo valor agregado, usado em pallet ou cercas… Com a industrialização, ele se transforma em um elemento estrutural robusto, resistente e durável que não perde em nada para o concreto e pode ser usado em vários tipos de edificações”
Edifícios de madeira? Sim. Em janeiro, apresentamos aqui no Draft a Noah, uma startup que se prepara para erguer essas edificações. A Urbem surge no mercado como fornecedora do material.
“A única coisa que a madeira engenheirada nunca vai atender é infraestrutura, como barragem, rodovia e subsolo”, diz Ana, da Amata. “Isso sempre será o universo do concreto.”
COMO CONQUISTAR UM NOVO MERCADO EM SETOR TRADICIONAL
Tanto o CLT quanto o Glulam são feitos com madeira de pinus colada.
No caso do CLT, são intercaladas camadas coladas longitudinalmente e transversalmente, formando uma placa de madeira que faz o papel de laje e parede em uma construção. O Glulam é feito com madeira colada na mesma direção para ser usada como pilar de uma obra.
O Brasil já produz esse material — porém em pequena escala, segundo Patrick Reydams, engenheiro florestal da Amata. Hoje, a produção nacional se limita a cerca de 5 mil metros cúbicos por ano, atendendo a um mercado em nichos específicos, como casas de altíssimo padrão.
Entre esses produtores está a Rewood, que foi parceira da Urbem na obra da Faria Lima como fornecedora das vigas e pilares usados no projeto da Dengo e responsável pela montagem da estrutura de madeira; a Urbem, por sua vez, forneceu placas importadas junto à empresa austríaca KLH, uma das pioneiras do setor.
A madeira engenheirada já vem sendo usada em construções corporativas e residenciais pelo mundo. No Brasil, a loja da Dengo é considerada o primeiro edifício multipisos com esse tipo de tecnologia — e faz parte do trabalho da Urbem de pesquisar e apresentar o produto para o mercado.
A fábrica da Urbem no Paraná recebeu um aporte de 100 milhões de reais de investidores e deve receber as primeiras máquinas no fim do ano e terá capacidade de produzir 60 mil metros cúbicos por ano, a partir do segundo semestre de 2022.
“Sempre quisemos começar o negócio em uma escala suficiente para competir com o concreto e o aço”, diz Patrick. Segundo a empresa, esse volume produtivo anual seria o suficiente para pôr de pé 300 mil metros quadrados em obras construídas.
UM DESAFIO É CONVENCER O MERCADO DE QUE O CUSTO DO MATERIAL VALE A PENA
Segundo Ana Belizário, mais de 95% das estruturas no Brasil são de concreto armado e grande parte disso é de concreto armado moldado in loco, ou seja, no canteiro de obras.
“É uma operação arriscada e longa: de 24 a 30 meses. Com o sistema industrializado, gasta-se mais tempo fazendo o projeto — mas o tempo de obra cai pela metade”, diz. A moradia estudantil no Canadá, por exemplo, levou apenas 70 dias de obra.
Além de mexer com a forma como o mercado está acostumado a operar, a industrialização também impacta no custo, outra barreira a ser vencida. Ana afirma:
“Se olharmos o metro cúbico ou quadrado, a madeira engenheirada é mais cara. Mas quando colocamos na conta o resto dos custos relacionados ao empreendimento, como mão de obra, tempo de canteiro, riscos e descarte de resíduos, a conta se equilibra”
Para ela, o cenário hoje é de um mercado que já entendeu a necessidade de mudar a forma de operar. E dois acontecimentos colaboraram com isso: a industrialização do canteiro de obras e a sustentabilidade precificada.
“Quando a construção civil foi retomada, depois da crise de 2013 a 2018, o setor queria uma alternativa para o canteiro de obras moldado in loco, que gera desperdício, acidente, atrasos e desperdício de dinheiro. E a madeira engenheirada vem nesse bojo do mercado.”
A SUSTENTABILIDADE É UM PONTO A FAVOR DA MADEIRA ENGENHEIRADA
A sustentabilidade é uma das vantagens da madeira engenheirada.
Por ser industrializada, é um produto que já chega no canteiro de obras pronto para ser instalado e gera poucos resíduos. Além disso, a madeira estoca carbono, é um recurso renovável — e sustentável, quando bem manejada.
Esse é um ponto de conexão da Urbem com a história da Amata, que surgiu com a proposta de agregar valor à madeira e oferecer um produto que não fosse fruto do desmatamento.
A garantia disso são as certificações reconhecidas pelo mercado. Toda a operação da Amata com florestas possui o selo FSC; a companhia faz parte do Sistema B. Dario, cofundador da Amata, afirma:
“Sustentabilidade é uma cultura de como você faz as coisas todos os dias. Nos parecia óbvio que a madeira ilegal ia sofrer uma grande pressão no futuro e aquele que conseguisse colocar uma alternativa para esse consumidor contemporâneo ao uso da madeira ilegal ia beber ‘água fresca’. Era um oceano azul a ser conquistado”
De olho nesse oceano azul, a Amata conseguiu, em 2008, a concessão de uma floresta nativa pública em Rondônia, a Floresta Nacional Jamari. A ideia era retirar madeira de forma sustentável, principalmente para exportação, enquanto operava em paralelo florestas plantadas em outros estados.
A CONCESSÃO FLORESTAL EM RONDÔNIA VIROU CASO DE POLÍCIA
A estratégia parecia promissora, mas degringolou. Segundo Patrick, a concessão em Rondônia enfrentou ao longo dos anos invasões de agentes e madeireiros ilegais, além de alguns conflitos na área, o que deixou a operação insegura.
O revés se tornou definitivo quando a Justiça bateu na porta. Em 2019, a Amata foi denunciada na Operação Arquimedes, da Polícia Federal, e processada pela prática de fraude quanto à origem da madeira apreendida. Dario defende a empresa:
“Nós, como sociedade, temos que estar ao lado dessas operações. Mas, como participante do mercado, a Amata vira ‘mais uma’. Ao resolver mudar o mercado de dentro para fora, a gente estava correndo esse risco de, no momento em que viessem as fiscalizações mais intensas, não ser diferenciado. Apesar de todas as auditorias, nada disso foi levado em conta”
Em meio ao imbróglio, a Amata deixou o negócio de manejo de floresta nativa e devolveu a concessão ao governo. Dario afirma que a falta de um ambiente institucional mais sólido contra a exploração ilegal traz riscos muito grandes e impede que empresas florestais operem na região amazônica.
“Perde muito o setor florestal, a Amazônia e o Brasil ao deixar uma empresa como a Amata abandonar a Amazônia. Mas enquanto não houver um ambiente institucional mais firme e forte, a gente não consegue operar lá.”
UM ECOSSISTEMA INTEGRAL PARA MANTER A FLORESTA EM PÉ
Sem Rondônia, a Amata mantém hoje duas florestas na sua operação: a de pinus, no Paraná, que fornecerá matéria-prima para a Urbem; e outra floresta de paricá no Pará, hoje em fase de corte e venda das toras — mas que, segundo Patrick, deve ser descontinuada em um ou dois anos.
Embora sejam florestas plantadas, o manejo é sustentável. A área do Paraná possui 12 mil hectares de floresta plantada e outros 13 mil hectares de área conservada.
No dia a dia, segundo Patrick, o manejo inclui cuidado com a contaminação do solo, monitoramento constante das nascentes, áreas de proteção ambiental e fauna. “Nunca detectamos nenhum impacto negativo na fauna local por esses plantios”.
O plano, daqui para frente, é focar na Urbem e usar essa estrutura que está sendo montada como um laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento da madeira engenheirada no Brasil, inclusive com a utilização de outras espécies, além do pinus.
O momento é propício, na visão de Ana:
“Com a pandemia e a preocupação com saúde pública e crise climática, o assunto [madeira engenheirada] vem à mesa com as letrinhas mágicas ESG, que é uma forma de colocar critérios objetivos e relacionar a sustentabilidade com acesso ao capital”
O modelo final de negócio ainda está sendo desenhado. A ideia, segundo a empresa, é conquistar a integralidade, tendo a floresta, a serraria, a indústria e a entrega ao mercado de um produto sustentável e de alto valor agregado.
Fonte: www.projetodraft.com