Preservando a identidade e criando novos horizontes com uma renovação urbana em São Paulo

Postado em 8 de agosto de 2024 por

Renovações urbanas geralmente envolvem grandes demolições, o que resulta no apagamento da identidade histórica local e gerando uma enorme quantidade de resíduos e o transporte de novos materiais para as construções. Alguns projetos, no entanto, trazem novos horizontes e mostram possibilidades diversas. É o caso do LAPI, abreviação de “Largo” e “Pinheiros”, um exemplo de ocupação e requalificação urbana que respeita a identidade local e promove uma nova experiência de ocupação ao repensar o espaço urbano a partir das suas pré-existências. Com arquitetura do SuperLimão e masterplan do Spol, o projeto ocupa uma área de 20 mil m² e abrange 29 imóveis distribuídos em três quadras em um bairro tradicional na Zona Oeste de São Paulo, ponto estratégico de intersecção com as principais vias da cidade, com circulação de milhares de pessoas por dia. Conversamos com Thiago Rodrigues, arquiteto e sócio do escritório, sobre os desafios e as oportunidades de trabalhar em um projeto deste tipo.

Adquiridos por uma desenvolvedora de negócios imobiliários, os lotes do LAPI formarão, ao final do projeto, um complexo de uso misto com lojas, restaurantes, apartamentos e salas comerciais, mesclando retrofits e novas construções e priorizando a conexão e fruição em meio às quadras, que se integra ao principal hub de transportes da região e estabelece uma importante ocupação ao ar livre.

A ideia é que o bairro integre gradualmente essas novas utilizações dos espaços, de modo que esse fluxo, partindo do LAPI e se expandindo para além da quadra, contribua para aprimorar a segurança urbana, o convívio e a qualificação tão desejados do Largo da Batata.

O escritório paulistano já conta com diversos projetos de remodelações e retrofits em seu portfólio. Sobre isso, Thiago pontua que “os projetos de reforma partem do princípio do reaproveitamento de uma estrutura existente adaptando-a a um novo uso. A redução de resíduos gerados em obra, em conjunto com a menor necessidade de execução de novas estruturas e, assim, menor impacto de energia para chegar ao resultado, são os princípios básicos que direcionam o partido do projeto.” Além disso, isso cria espaço para apropriações diferenciadas ao espaço, a mescla de elementos pré-existentes com soluções modernas e eficientes, bem como miradas inusitadas e oportunidades que dificilmente seriam criadas num projeto tradicional.

No entanto, ao trabalhar com uma estrutura consolidada, isso acarreta uma enorme complexidade extra. Projetos complexos como o LAPI requerem um planejamento meticuloso e uma execução flexível. Segundo Rodrigues, “deve-se partir de um bom levantamento cadastral, inspeções estruturais e um intenso controle de custos a fim de criar comparativos entre as diferentes soluções que se pode tomar no projeto.” O arquiteto também enfatiza a importância de estar preparado para adversidades e a necessidade de flexibilidade no projeto para que mudanças não afetem o conceito inicial e o prazo objetivo. “Soluções modulares e a adoção de parâmetros claros, como um guia de memorial descritivo, facilitam a tomada de decisões ao longo do projeto. É fundamental que todas as equipes envolvidas estejam engajadas, atuando em sincronia e com a disposição necessária para adaptar soluções conforme surgem desafios, mantendo a coesão do conceito inicial.”

Outro desafio foi relacionado à regularização dos imóveis diante da prefeitura. “Eram muitos imóveis em diferentes condições de regularização diante da prefeitura. Fases diferentes de construção e muita coisa irregular. Tínhamos um estudo de cada matrícula sobre a situação de cada um,” explica Rodrigues. Mesmo com a intenção de manter muitas estruturas existentes, foi necessário adequar infraestruturas básicas e garantir a acessibilidade, exigindo diversas versões do projeto para viabilização.

Uma característica marcante do LAPI é a reutilização de materiais de demolição. Para isso, a comunicação com as equipes de demolição teve que ser intensa, e o processo muito mais cuidadoso para se conseguir separar certos itens em meio a tanto material. Os materiais que poderiam ser reutilizados, como louças, portas e caixilhos não destinados à reforma, foram doados em uma primeira triagem, realizada em conjunto com a consultoria responsável pela certificação Leed Communities. Uma parte significativa desses materiais, incluindo as estruturas de telhados e telhas cerâmicas, foi armazenada para uso em fases posteriores do projeto. Além disso, portas e caixilhos que se adequavam à nova proposta foram cuidadosamente selecionados para serem reutilizados no próprio empreendimento.

Tijolos inteiros também eram selecionados para que pudessem recompor alvenarias de tijolo aparente. Utilizamos todas as telhas como agregado na composição do piso em placas de concreto pré moldado com a concresteel. E as madeiras das estruturas dos telhados foram utilizadas na execução de bancos e mesas que compõem o mobiliário das praças internas

O projeto LAPI exemplifica como a reutilização de estruturas existentes e a adoção de práticas sustentáveis podem redefinir a ocupação urbana, oferecendo um modelo replicável para a revitalização de áreas subutilizadas. “A estratégia de ocupação e requalificação de espaços através do aproveitamento dos imóveis existentes pode servir como um método eficaz de ressignificação em outras regiões da cidade”, destaca Thiago Rodrigues, sublinhando o potencial transformador dessa abordagem em contextos urbanos mais amplos.

Fonte: Archdaily